segunda-feira, 26 de julho de 2010 0 comentários

Poema moderno

"Não te add. Não me addeste.

Seguimos sozinhos correntes desconectadas.

Indiferentes, ligamos a TV."



Cora coracora
domingo, 18 de julho de 2010 0 comentários

Se me pudesse deter

Sabe quando se corre forte - velocidade da luz - algo em que não se pode deter?

Sabe quando se sente o vento - e despenteia - como quem não se pode parar?

Sabe quando se pula denso - desafia a gravidade - de uma adrenalina que não se pode conter?

Sabe quando acelera mesmo - passa por cima - de um jeito que não se pode reter?

Então. É tudo tão intenso que paro.

Mas é tudo tão meu, que só eu sei.
quarta-feira, 14 de julho de 2010 0 comentários

Haverá o dia

Haverá o dia em que acordarás e eu não estarei mais presente.
Em que os filetes de sol passarão por entre as persianas e
será como os meus braços se estendendo ao teu encontro.

Mas a luz que preenche o quarto será como um brinde ao vazio,
será como um convite ao silêncio.
Então olharás ao redor e saberás que "se me fue".
sábado, 10 de julho de 2010 0 comentários

Se tu me deres a honra...

Eu gostaria de escrever para o tempo. Escrever para o vento. Escrever para o céu. Escrever para o mar.

Fossem todos poemas enrolados dentro de garrafas e chegassem à quantas e quantas pessoas desejassem.

Que as palavras fossem o suprimento necessário a cada um.

Fossem de um amor multiplicável, que, pensando em ti, se tu me deres a honra possa repartí-lo com quantas e quantas pessoas desejassem.
terça-feira, 6 de julho de 2010 0 comentários

Eu não estou para os meus retalhos



Muitos deles eu perdi enquanto voltava para casa. Outros que me desencontrei ao arrastá-los pela rua. No sofá deixei vários. A minha blusa rendeu-me muitos outros.

Eu sempre fui toda cheia deles. Caíam retalhos do meu cabelo, colava retalhos no rosto, suspendia retalhos no braço... Era um tudo tão preenchido que não me animava a mantê-los e nem a retirá-los.

Eram tantos! Quisera eu que não fossem retalhos ou que não fossem mais meus. Que a vida fosse inócua, quem sabe. Que o mundo não tivesse esse sentimento de abandono e que nós não fossemos obrigamos a colecionar retalhos...

Olhá-los a todo momento é que era o problema. O problema era olhá-los a todo momento. A todo momento, olhá-los, é que era o problema. O problema, a todo momento, era olhá-los.

Por que a moda que a vida lançou é colecionar retalhos? Por que cada um gruda, tece, costura, guarda os seus próprios retalhos? Se os meus retalhos fossem compartilhados eu os daria todos. Bom aproveito.

Mas não. Tem uns que me grudam até nos olhos. Uns que para respirar acabo sugando pelo nariz. Outros que, infelizmente, vão-me goela abaixo. É, retalhos também saem por baixo... Você literalmente faz retalhos... quando se satura deles.

Não há remédios para retalhos inexistirem. Tampouco andar pelado. Tomar cachaça. Não mesmo. Antes, tudo o que fazemos apenas acumula os nossos retalhos. A vida é um resultado tosco de um monte de retalhos. Ela até parece bonita, vista de longe, sabee, uma coisa artesanal. A vida, realmente, é um remendado só.

Confesso que cortei os retalhos das mãos porque estavam me incomodando, também não continuei com aqueles grandes nos pés porque eles tinham cara de que me fariam tropeçar a qualquer momento. Mas mantive os das canelas... porque sempre tem uns engraçadinhos que adoram chutar canelas alheias e chutar retalhos...

Ah, se eu mesma pudesse chutar todos os meus retalhos... Estive pensando então em fazer fuchicos com eles, customizar retalhos, pregá-los nas roupas como pequenos detalhes, para que não me sufoquem, para que não sejam grandes, para que não me sejam pesados, para que sejam apenas lembranças de outras roupas inteiras que já tive.

Mas hoje. Hoje eu não estou para retalhos.
segunda-feira, 5 de julho de 2010 0 comentários

Muito além de preencher o vazio

Quisera eu acreditar que "duas rosas nascidas no mesmo arrebol" nutriam-se da mesma seita bruta, do mesmo alimento orgânico e dividissem até o ar que respiram e voltassem ao mesmo tempo de um único gás carbônico capaz de, nessa vida entrelaçada, não sentir o frio da chuva, nem a terra molhada, muito menos sentisse o vento cortante do inverno... justamente dominadas pela mesma luz solar que possibilitasse suportar o mundo e preencher o vazio.

Mas minha vida nunca fora movida por disposições grandemente agregadas com o mundo imaginário, das minhas ideias coloridas de representar o espaço ao invés de vê-lo realmente, das histórias em que lia e se empregnavam dela. Nunca fora.
quarta-feira, 30 de junho de 2010 0 comentários

Sei lá

Já nem ligo mais para o mundo em que pintei e se encontra desbotado. Para as linhas do horizonte em que rabisquei e com o tempo viraram apenas rascunho.

Para os vitrais coloridos descascados pela chuva. Para o sol secando a terra das flores em que plantei. Já não se encontra mais nada meu por entre essas linhas. E a vontade de escrever senão me basta, me deprime.

O mundo é estritamente impessoal. Em que, não importa quantos ais você some aos seus dias, você terá simplesmente que somar mais meia dúzia deles constantemente.

Já não me importaria mais de falar todos os dias em vão. Em caminhar sozinho por entre a neblina, descer os vales, subir as colinas de manhã no frio. A grama é sempre contínua, não é mesmo? Ela sempre será verde.
segunda-feira, 28 de junho de 2010 0 comentários

Tinha uma janela

Tinha uma janela em um quarto escuro.

O quarto era escuro, porém tinha uma janela.

Tinha uma janela em um quarto escuro.

Era um quarto escuro, mas tinhas uma janela.

Como tinha uma janela se o quarto era escuro?

Como era escuro se o quarto tinha uma janela?

Ter uma janela liberta um quarto da escuridão.

Ser escuro um quarto liberta uma janela da imensidão.

Onde tinha uma janela, tinha escuridão?

Onde tinha escuridão, tinha uma janela?

O quarto era escuro e tinha uma janela.

Tinha uma janela nesse quarto escuro.

Ele era escuro, porém tinha uma janela.

O quarto escuro tinha janela.

O quarto era escuro.

Tinha uma janela.
sexta-feira, 25 de junho de 2010 0 comentários

Haverá o tempo

Haverá o tempo em que nuvens de algodão escorregarão por entre os degraus da escada. Onde patamares submergirão em águas congeladas e apitarão feito trens a vapor.

Haverá aquele instante que se espremerá infinito entre um segundo e outro. Em que o vento ressonará uma canção melodiosa e sucumbirão todos os postes de eletricidade.

Haverá flores entrelaçadas aos pisos e ao asfalto da rua. Em que as pipas coloridas no céu serão como bússolas aos forasteiros.

Haverá grandes mares dentro de caixinhas de sapato. Será feito de mármore os vestidos das debutantes. Ligar o ventilador significará se teletransportar e as luzes de LED serão eternas.

Haverá aquele tempo de deixar sobre o sofá a toalha molhada e esquecer. Em que os sapatos serão voadores e se transformarão em pombos-correio. Será engraçado ver o do Donald do McDonalds voando por aí e estatelando na cabeça de alguém.

Haverá pianos d'água e refrigerantes de bomba atômica. Em que as casas não terão paredes e as divisórias dos lares serão cortinas de nylon.

Haverá o tempo do chip dentro da cabeça em que você escolherá se guarda ou não as coisas na memória. Em que seremos 500 mil bois marcados comendo pasto transgênico em uma área de 50 m². Haverá um Deus todo poderoso chamado Coca-Cola.

Haverá cavaletes mágicos e imaginação fornecida por 1,99. Em que as bancas de jornal serão shoppings centers inteiros. Em que se apertará a torneira e você se integrará ao chip de qualquer outra pessoa.

Haverá o tempo em que as línguas serão magnéticas e nas mãos já teremos facas afiadas. Em que não haverá prisões e nem crimes hediondos.

Não haverá quem questione, quem julgue, quem dite as regras. Não haverá democracia. Os cérebros serão como creme de leite ou mousse de chocolate e os outros poderão abrir e retirar um pedaço para comer.

Haverá o tempo em que a moeda vigente será o nosso dedo do meio. Mostrou, entrou. Mostrou, pagou. Mostrou, comprou.

Haverá redes como vapor de chuveiro. Em que se você quiser se conectar a alguém bastará bocejar sobre o vidro. Haverá ondas eletromagnéticas que modelarão os cabelos e sprays sobre o rosto feito máscaras que serão os estilos dominantes.

Haverá compra de luz e sombra, de dia e noite, de sono e insônia, de alegria e de tristeza. Em que meio pote de chantilly dará para o ano inteiro. Haverá vaselina com gosto de adrenalina e pasta de dente com sabor de serotonina.

Haverá carrinhos de supermercado que acoplarão pranchas de surf e deslizarão em piscinas de álcool gel. Em que um palito de fósforo nessas horas faria a felicidade de muita gente.

Haverá fogueiras de festa junina sobre edifícios de 117 andares. Em que as ilhas serão feitas de adubo natural e as árvores serão desmontáveis. Você carregará embaixo do braço paraísos descartáveis. Seus olhos serão trilhas sonoras e os sorrisos, perfumes.

Haverá o tempo de contar o que se passou anterior a isso, mas não serão mousses que contarão a história. E nem mão afiadas que escreverão sobre rochas sedimentares. Então saberemos que o mundo não passou de uma grande bola de sabão flutuante a um triz de estourar. E STAAAAAF.
sábado, 12 de junho de 2010 0 comentários

Mentes apodrecidas

Ela parecia especial. Desde quando nasceu fora diferente das outras garotas Não tinha o dom de falar. Seus olhos pareciam cantar sozinhos e sua grande especialidade era viver suas histórias inventadas. Não lhe faltava muito para que não fosse desse mundo.
Viver, para ela, era tão simples e puro quanto colher entre as flores um dente de leão e espalhar suas pétalas no vento. Não parecia que seria mais que isso. Sua infância foi ouro.
Mas o mundo sempre teve garras afiadas de insalubridade. Notara que com o passar do tempo, conhecendo o mundo, ele já não seria tão simples e puro quanto uma fotografia de verão.
E que com o caminhar entre as pessoas havia muito mais que personagens figurativos... e muito mais visões distorcidas... quisera tanto que fosse mero cenário, representação lúdica ou que não tivesse bestas feras e monstros ocultos dos mares.

Sempre ouvia falar de tudo e de todos com grande medo. Até que um dia olhando distraidamente para as pessoas em redor notara que conseguira as ver diferentes. Todas elas tinham a parte superior da cabeça como transparente e podia enxergar o cérebro de cada um e o estado como se encontrava a mente.

Surpreendeu-se com, como degenerava fácil as mentes das pessoas. E todas, todas elas continham mentes degeneradas, mentes apodrecidas. Podia ver as partes do cérebro se corrompendo, se corroendo, se perdendo. Era a visão dos infernos. Era a falta total de esperança. Era um pesadelo.

Agora passava a vida assim, com medo de que aquelas mentes a contaminassem, de que o mundo fosse apenas isso e quando esquecer, quando tentava não notar lá estava uma mente apodrecida estampada na sua frente. Recuara-se do mundo com grande asco. Quisera que não fosse verdade, que ela mesma é que fosse do além. Não podia existir tanta escuridão no brilho dos olhos, no sorriso no rosto de todas aquelas pessoas que antes, tanto ela se aprazia em ver.

Então dominou-a a vontade de enxergar o próprio estado do seu cérebro. Mas ela descobrira agora que esse poder ela não tinha. Ela poderia ter qualquer outro, quem sabe. Mas esse, esse não. Frustrou-se, olhando-se no espelho e não enxergando nada. Como estaria sua mente? Seria tão apodrecida, tão degenerada quanto todas as que vira e tivera horror em ver? Seria sempre assim? Ela com vontade de saber quem era, de quem ela própria se tratara, de quão apodrecida era sua mente.

E quem lhe diria, quem poderia a ajudar? Quem a ajudaria a continuar?

Em meio à mentes apodrecidas, sentou e se angustiou. Pessoas eram vultos esparsos, era uma multidão sem fim de nada, era um oásis de vazio. Ela nunca saberia o que queria saber. Se era tão igual aos outros, então por que e com qual intuito só ela via mentes apodrecidas? Não seria então para todo mundo ver e comentar a respeito? Ninguém nunca lhe daria resposta satisfatória. A vida sempre lhe seria uma amargura tremenda.

Chorou. Chorou como nunca tinha chorado. Como quem desejasse muito ter uma mente apodrecida só para não se sentir diferente, só para não ver as outras que se abanavam na sua frente. Seu coração doía, fechava os olhos, já não queria mais ver.

Até que chegou alguém e sentou-se do seu lado.
-Não sei se alguém já lhe disse isso, e aparecerá estranho, mas eu consigo ver a sua mente.

Ela o olhou estupefata. De repente, ela o enxergou como nunca havia enxergado ninguém antes. Ele lhe parecia tão familiar, era como seu próprio reflexo contrário no espelho. Ela enxergava a mente dele e não temia. Ela enxergava a mente dele e queria tanto que fosse a sua própria. Ela enxergava a mente dele e se comprazia. Ele era tão especial quanto ela. Ele não era ela?

Ele já nem precisava lhe dizer como era sua mente. Ele sabia, e isso, parecia que lhe bastava. Ele sabia. Era estranho notar no entanto, que entre eles havia um silêncio profundo, uma harmonia contínua, uma sensação que acalmava. Bastava que estivessem ali, um diante do outro. Um do lado do outro. E a força seria eterna. Então ele lhe estendeu a mão e caminharam firmes, de mãos dadas, em meio à multidão de mentes apodrecidas.
terça-feira, 1 de junho de 2010

Do assunto que tanto gosto...

Eu gosto de escrever porque àqueles que escrevem é concedido tudo. À eles são concedidos reger o destino de suas palavras. Com essas palavras eles podem ser tudo: ter o que almejam, as realizações dos seus sonhos, o sentido, a eficácia e a alegria em suas vidas narradas.
Só é nas palavras que não temos limitações nem barreiras. Não há preconceitos nem obstáculos que permaneçam intransponíveis. É somente nas palavras que encontramos a total recompensa por todos os nossos atos, sejam eles maus ou bons. Ainda podemos tirar deles máximas filosóficas desses atos acentuar as virtudes e ocultar os defeitos... Sermos o mais charmoso e venerado dos personagens que tivermos em mente.
Ninguém nos negará a virtude, a honra nem as nossas mais íntimas qualidades quando apresentarmos aos nossos leitores a verdade de que não temos nem sequer uma gota de beleza exterior. Para o leitor, nem àquele que escrevem, importará ao certo se somos feios e merecemos piedade.
Só a palavra é capaz de abrandar a fúria dos nossos corações impiedosos e estabelecer uma estranha e complexa relação de carinho e afeto com aqueles que não são reais. Temos uma humanidade sem tamanho estabelecida para o não-real e uma desumanidade sem tamanho estabelecida no nosso dia-a-dia.
Eu amo a palavra porque expõe do ser humano só o que é certo, o que é correto expor e não é maculada nem persuadida como a visão, a imagem ou a linguagem visual que pouco nos mostra além daquilo em que conseguimos ver (e se não tivermos a inteligência necessária, de extrema perspicácia...). Tudo isso é falsa imagem.
Eu posso ser quem eu realmente sou quando escrevo e não tenho medo nem vergonha porisso. Posso sim demonstrar toda a minha fraqueza e com a minha sinceridade os meus defeitos, mas sei que represento talvez o que é mais certo sem retoque de maquiagem e nem contrariedades entre o que escrevo e o que sou. Antes, é alívio me confessar assim e se não fosse sempre com tal intenção (de confissão) eu não teria motivo algum para escrever.
Eu diria que só a palavra me entende. Sem indiscrições ou rodeios. Sem críticas, culpa, lamentos nem conselhos. Que me deixa indagar sozinha e segui-la no livre curso da minha mente. Só o que não me cansa e nunca me desgasta é escrever. E às vezes confessar todo esse amor pela escrita é para mim algo totalmente necessário (como um pensamento de:" Eu não sou louca" ) para que eu tenha um estímulo e continue, mesmo sem retorno, escrevendo.
Tem dias em que tudo me perturba que me leva à um estranho e inexplicável conflito interior - algo sem motivo nem fundamento - que deságua, ou melhor, que me faz desabafar na escrita. É consolo saber que eu tenho alguém com quem compartilhar minha dor e esse consolo é como nenhum outro poderoso remédio que consegue estabelecer em mim uma tranquilidade, uma paz, uma calma interior.
Eu diria que não é um escritor que não desiste de escrever quando vê que sua palavra não pode mudar nem o pensamento do vizinho e nem reestabelecer a crença em corações pagãos ou desesperançados nem mesmo fazer com que uma jovem de hoje acredite na sua própria felicidade... o escritor em si não é um guerreiro nato, forte, batalhador e inabalável, ele é talvez, o mais fraco, sensível e oprimido que estiver entre nós, aquele no qual não daríamos nada e que não o reconheceríamos jamais como uma mente brilhante... são sim fracos seres que vendo o mundo desistem facilmente... quem não desiste porém é a própria palavra que os toma e nunca, nunca mesmo, desiste deles.
Eu não sou nada, mas eu tenho "na mão um lápis e nesse papel"  uma palavra que nunca vai desistir de mim.
terça-feira, 18 de maio de 2010 0 comentários

Um poema

Enquanto o sangue ruim circular pelas minhas veias...
e o sopro de vida for nada mais que um coração de pedra,
ainda sim por entre as chamas congeladas habitará um amor perpétuo
digno de ser conservado intacto, para salvaguardar sua extrema beleza

Por mais que as palavras sejam duras e frias
e nelas conter rasgos de sarcasmo, descaso e desprezo,
ainda sim serão as mesmas que se odiares um dia
estarão lá no futuro para apaziguarem a tua ira

Quando não mais se escorar as minhas estruturas sobre a rocha,
e forem falsas, vagamente movidas pela vento
e molemente fixadas na areia,
aí sim poderá dar por perdida qualquer solidez de sentimento

Mas se tem apenas como desculpa a barreira de um caráter rígido,
que se dirige regrado na imensão de um mundo revolto...
Tal desculpa não seria suficiente para afugentar um coração contrito,
e nem se convenceria sozinho que não se precisa do outro...
quinta-feira, 13 de maio de 2010 0 comentários

O menino e o telescópio


E tudo o que o nosso grande garoto queria era aquela pequena estrela que brilhava infinda nos céus de Maio. Poderia querer os anéis de Júpiter, as cráteras de Marte, os satélites da Lua. Mas não. Tudo o que ele queria era aquela pequena estrela.

E por isso desde sempre levava consigo seu telescópio. Estudar os astros, observava as suas posições de período em período, todas as estrelas. Ele já tinha conhecimento pleno de todas as estrelas. De onde poderia vê-las melhor, analisar suas peculiaridades, quais noites mais estreladas...

Ele apreciava noites estreladas. Tinha noites em que ia ao parque sentava na grama, preparava o seu telescópio... Ah! Que noites lindas eram aquelas em que se podia contemplar as estrelas! Como ele amava o brilho intenso das estrelas.

Porém tinha uma pequena estrela, na qual avistou um dia de relance e que aparecia raramente, de um brilho diminuto e desgracioso, de uma luz fraca e distante. Quão misteriosa e singular era aquela pequena estrela. Procurara nos livros consultar a sua posição no céu, saber de onde provinha, há quantos anos luz estava de distância... E qual era o seu nome? Qual era o seu nome? Não soubera dizer. E ocupando-se com isso o brilho de sua pequena estrela se apagou.

Intrigou-se. Desde então era o seu prazer mais puro, a sua vontade mais extrema ir atrás de sua pequena estrela. Encontrá-la. Encontrá-la.

Quantas vezes não a procurou sem êxito? Noites inteiras não dormidas esperando aquela aparição de brilho fosco. E outras em que as estrelas pareciam terem conspirado contra ele fazendo com que a noite fosse clara e vazia.

O que tanto a pequena estrela lhe chamava atenção nem sabia dizer ao certo. Não era uma estrela como as outras tampouco a sua aparição merecia destaque... Queria entender o por quê daquele brilho vago, triste, do seu aparecimento repentino, do seu piscar em noite escura quase sussurrante. E não era tão lindo?

E sempre fora assim tão apaixonado pela pequena estrela, queria pegá-la em um momento desprevinada, parecia que se ocultava quando ele lançava-se ansioso sobre o telescópio.

Ah, o telescópio. Era mais do que apenas um instrumento. Podia com ele alcançar os céus. Lá, muito além das noites escuras e sombrias. Da escuridão absoluta sempre que aproximava os olhos poderia ver a beleza extrema que quisesse. Se cada noite quisesse escolher uma estrela diferente, ali estariam todas e poderia admirá-las o tempo que lhe aprouvesse.

Mas não. Ele só queria ver o brilho da sua pequena estrela. Nem seja só mais dessa vez.

Mas estrelas em si nada mais eram que ideias ilusórias de algo que não estava mais ali. Talvez um pequeno ponto luminoso que simbolize algo que já morreu. Porém ele se demorava no contemplar do brilho, sabia mesmo que era fantasioso e que sei alcance era remoto... Mas que prazer tinha em contemplar o brilho daquela estrela...

Era aquela a sua estrela apesar de tudo. Aquela em que "pegara para si", não importava o quanto tempo a roubasse dele. Quantos anos luz de distância, quantas 12 h de separação de noite à noite... Não importava. No fundo, ele sabia que ela era dele.

Parece que quanto maior a distância, maior a impossibilidade de vê-la há todo instante maior era a atração que ela exercia sobre ele.

De dia sem tal presença convidativa ainda que ela permancesse lá, sem que seus olhos a vissem, afinal lhe dava um ódio era do telescópio! Como poderia tal coisa aproximá-l de algo tão distante, tão desesperançoso? E que hábito tomara de andar sempre com seu telescópio!

Já era parte dele. Era ele, o grande garoto e seu telescópio. Porque no final das contas o seu amor mesmo era ao telescópio, o que afinal lhe permitia as noites estreladas? Não importando quais estrelas, o telescópio era o seu refúgio, a sua dose de alegria, a sua diversão diária, era o seu consolo.

E fora assim. Brincando que descobrira a sua pequena estrela. É com dor que ele a observa neste momento. Mas só por causa disso ele não vai perder o hábito de usar o seu telescópio nas noites estreladas mais atraentes, tampouco sairá correndo em noites "desnudas" na possibilidade de encontrar o seu par solitário, o brilho sumido da sua pequena estrela.
quinta-feira, 18 de março de 2010 0 comentários

A incrível história do submarino amarelo

Péricles estava todo feliz com o submarino que ganhara de presente. Fora o seu primeiro e único pedido durante todo os seus sete anos de vida.

Era verde. O submarino. Péricles sonhara e pedira tanto um submarino amarelo.

-Que ideia estapafúrdia, menino! Amarelo!

-Sim, amarelo.

-Tudo bem.

E assim foi. Péricles andava todo feliz com o novo presente, não o largava por nenhum um só minuto.

-Aonde você vai com isso menino?

-Submarino precisa de mar. Eu estou indo brincar de mergulho. Eu quero saber das coisas que podemos ver no fundo do mar.

-E como você vai saber o que são as coisas?

-O submarino é amarelo, tio.

E isso lhe bastava. Elepoderia desvendar os mistérios do fundo do mar e aventurar-se com coisas que nunca viu. Tudo isso só seria possível se o submarino fosse amarelo. Certa vez ouviu uma história. De um garoto que tinha um submarino amarelo e onde ele estava com o submarino e fizesse um pedido, esse pedido se tornava realidade. O menino pedira tantas coisas! Coisas que também queria conhecer, que queria saber, que queria ver...

Mas quem lhe contou a história ressaltou:

-Toda a mágica do submarino não se recorria ao fato de que era um submarino, mas porque era justamente amarelo. A magia estava na cor. Na cor. Porque era a primeira cor que se via quando se olhava. Porque o misticismo surgia a partir da cor. Porque a luz quando incidia sobre o objeto... A imagem era no que se cria! A imagem... transcendia!

Péricles lembrou que não entendeu mais nada depois do "misticismo", mas que, ouvindo, achou muito bonito. Deveria ser tão lindo, a luz. E era por isso que queria tanto o submarino amarelo. Agora tinha.

Saiu correndo para fazer seus pedidos mais secretos... querita tanto saber como era uma baleia... se sua pele era de veludo salmon... se era grande mesmo a ponto de não conseguir estirar os braços e abraçar seu comprimento. Queria saber das estrelas do mar e como éram as conchinhas na beira da praia...A praia! Tudo seria possível com o seu submarino amarelo.

Não entendia como a areia podia rodear o mar e segurálo se era tão fina e minúscula? E como seria o vento se a luz incidisse sobre ele? Ele queria ver esse tal do misticismo, o cara de nome engraçado. E para isso, o submarino era amarelo!

-Aonde você vai com isso, verde, aí?

-Eu?

-É.

-Pode re-repetir a cor, por favor?

-Verde. Por quê? O que é ?

- Verde?...

Péricles saiu em disparada. Não continha nas suas passadas largas toda a dor que queria deixar para trás. Era por isso que não conseguia. Era por isso que a incrível história não se daria com ele. Péricles chegava até a engasgar-se com as lágrimas.

Naquilo que ele acreditou tanto que seus sonhos se realizariam! Não queria acostumar-se. Prometeu a si mesmo que não se acostumaria. Ele ainda saberia das coisas que queria saber. Do misticismo. da luz. Em como ela incidia sobre o submarino... ele ainda veria a primeira cor que se via quando se olhava. E quando visse, saberia que era ela.

Como queria um submarino amarelo! Como quisera fazer os pedidos que o menino fez. Como quisera ser o menino daquela história.

Se tivesse um submarino amarelo ele faria o pedido que ensaiava em não fazer. E assim ele não pediria mais nada para ninguém. Com esse pedido, ninguém mais o enganaria. Ele só queria ver. Ele só queria ver.

Ele tinha um pedido melhor do que aquele menino da história. Ele só queria ver. Ver como a luz incidia sobre o submarino. Como era o submarino? Ele queria ver a luz. Ver a luz. E o como o senhor misticismo usava as cores. Só precisava ser amarelo. Só. Só.

Com seus sonhos despedaçados e esperanças desfeitas, Péricles adormeceu. Banhado de lágrimas e agarrado com o seu submarino verde. Péricles era cego. E mal sabia ele que vivia cercado de mais misticismo do qualquer outra pessoa que tinha a luz por comum. E que a sua história era mais incrível do que aquela história do submarino amarelo.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010 0 comentários

Você. Sou eu.

Você. Sou eu.


A verdade é simples, que bate nos nossos cabelos feito o vento e despenteia nossas ideias enquanto nos vemos paranóicos.

E é assim que eu me sinto.

Quando estou nos lugares. Quando olho para os lados. Freneticamente. Freneticamente. Você vai estar lá, você vai estar lá, por que você não está lá?

E é assim que eu me sinto.

Quando tento distinguir o rosto das pessoas com a distância me impedindo, quando reparo em todo mundo para ver se não o deixei passar batido. Eu o procuro em todos os lugares.

E é assim que eu me sinto.

Eu o procuro em todos os rostos. Chego a vê-lo, sim, chego a vê-lo. Não era este aqui, não era aquele ali. Não. Em vão.

E é assim que eu me sinto.

Como aquela que procura se agarrar na esperança por entre as portas do metrô.

E é assim que eu me sinto.

Sinto uma saudade gigante que já o vê em todos os rostos, que já o sente em todos os lugares. Que não está aonde procuro. Está em mim.

E é assim que eu me sinto.

Você. Sou eu.
sábado, 6 de fevereiro de 2010 0 comentários

O fantasma da censura




De contínuo habita na escuridão um ser insondável que traz em si o fantasma da nossa própria censura. Ele vem com correntes, preso à bolas de ferro e cercado de grades.

E lá vai ele às escuras tateando um lugar frio e sombrio. Perto dele há morcegos, poeira e teias de aranha. Na sua intensa peregrinação flagelada de apenas dois metros quadrados se resume a sua vasta liberdade prisional.

Não há o que querer naquele que traz o nosso querer mais intenso. E não tem no que pensar senão no nosso querer mais intenso.

Manchado de preto. Coberto de preto. Cintila os seu grandes olhos pretos. Cheios de uma dor latente e inexpressível. Como poderia gritar por entre quatro parede ocas o que já o sabem sem gritar?

Era ele o negasto, o cruel, o amargo. E por isso mesmo o amarrado. Não se deixaria ele partir por aí sem controle, ele não sabe, porém pode mais que todos os outros. Os outros.

Ele têm o poder da Phoenix, que controla tudo. Que manipula a razão de todos os outros para manifestar o seu querer. O querer mais intenso.

Porém, ele tropeça fraco entre ratazanas. Uma ratazana corre rápida quando sente uma gota gelada escorrer nas costas. E muitos outras continuam caindo como se chovesse. Mas não chove.

Ele ouve gritos horrendos e uivantes por entre as grades e desespera-se quando pisa em cacos de vidro. A bola de ferro presa ao pé o cansa. E nada o que lhe fizesse extenuaria a dor.

Tem junto a ele um fantasma que lhe fala ao pé do ouvido: "Nem tente. Nem tente." Esse fantasma o trancafiou. Mas ele é o guardião. Sabe que tem que proteger o querer mais intenso desse fantasma ensurdecedor. E ninguém sabe mas, a sua missão é essa. Não deixar morrer nas mãos da censura o nosso querer mais intenso.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010 0 comentários

Aponte-me pela rua...

Os escritores têm características particulares. "Aponte-me um escritor pela rua". Ora, simples. Muito fácil.


Por si só são exagerados. Eles adoram essa coisa chamada "ênfase". Adoram engolí-la e mastigá-la pouco a pouco as partes mais expessas, saborear demoradamente, achando um trabalho super árduo comer, comer e comer desesperadamente, incansavelmente em busca do clímax perfeito. (hmm. duplo sentido...) E tudo isso só para dizer que enfatizam BEM.

E como presente exemplo, ênfase na dor: "Então ela se foi. O que me dissera antes quando ainda estava aqui? Ela, tão ser único na minha vida, tão envolvente, tão sóbria, tão minha. Ela se foi sem motivo, eu não posso aceitar o seu motivo. Não posso. Que o cachorro fazia sujeira demais na porta da sala. Sem motivo. Não tenho mais vida, mais esperança. Ontem mesmo me afoguei em lágrimas, tropeçei em bebidas alcoólicas. Martirizei-me comendo rúculas. Dias imensos de insônia. Implorei, roguei aos céus. E não obtive respostas. Bebi até que olhos já não vissem o fundo do copo (e para isso também eu o enchia constantemente) e não houve uma gota em que coloquei na boca que não me lembrasse dela. Não, nada. Mas adormeci e esqueci. Pelo menos eu sei que ela não vai levar o meu cachorro."

Então quando alguém chega em você e diz: "a massa óssea do meu corpo não permitiu que eu me esquecesse um só segundo de te dizer obrigada do fundo do meu coração pela presença que você colocou para mim na aula da semana passada". Veja, é alguém com proeminência à literatura.

Qualquer pessoa que te assuste com assuntos esquisitos, uma diferença nos modos, na utilização de expressões incomuns ou que você nunca consiga realmente entender o que a pessoa estava querendo dizer com aquilo, acredite eles podem ser escritores. Tudo bem, podem ser apenas loucos. Eles chegam com os papos "hoje eu conversei com os meus hematomas. O Godofredo e o Silveriano". Fuja deles.

Eles preservam a excentricidade como atração de sua classe e geralmente acham que essa é a única forma de chamarem atenção ou serem diferentes. "Hoje eu masquei chiclete tomando café, adorei"; "Pulei de asa delta com patins, quando cheguei ao chão ainda consegui andar em plena avenida"; "Pintei o meu cabelo de duas cores, azul e verde, uma representando a Mata Atlântica e a outra a secura total do Planeta se não fizermos nada e ..."

Já na contradição são adeptos da inconstância. "Gosto de alface. Desde que não tenha agrotóxico. Estes estão com gosto esquisito. Agrotóxicos. Não gosto de alface, nunca gostei. Quem disse que eu gostava de alface?? Vocês colocaram isso na minha cabeça, essa repressão social..."

Uma grande parcela dos escritores está na parte dos incompreendidos, rejeitados e traumatizados pela sociedade. Aqueles que não obteem o que querem dela e se frustram pela preferência de privilegiados. Junte a isso uma introspecção, uma timidez ou totalmente o reverso disso, uma rebeldia e inflamação.

Nos dois casos (e eu acho que em todos os outros) os conflitos internos e externos promovem essa necessidade de inclusão em um caso ou de fuga no outro. Uma necessidade de se sentir "normal" em meio a um caos interior. Uma necessidade de liberdade e de poder de si mesmo que os leva a se apossar de suas próprias palavras. Coisas que nem todos fazem. Nem todos fazem.

Exemplificando, os escritores tímidos são aqueles que andam cabisbaixos pela rua. Ou que olham para lugar nenhum e parecem nas nuvens. São aqueles que não te olham nos olhos quando falam com você. E tentam te fazer acreditar que eles não existem, que são inúteis. Há uma necessidade de negação. "Não, não foi eu quem escreveu"; "Isso não merece elogios"; "Não precisa se preocupar comigo apesar de um gordo não ter me visto e me dado um soco de direita em cheio no meu nariz"; "Graziele? Quem é Graziele? " (eu já ouvi muito).

Outros teem um senso de humor peculiar que poucos entendem e menos ainda são os que se arriscam a rir das complexas piadas. Daí, esses se passam por bobões ambulantes. Porque ninguém entendeu o gênio que existe dentro deles.

Somos seres no mundo que não existem. Ninguém acredita que existimos. Há algo que não se completa entre nós e as palavras. Não, realmente não somos nós. São elas. Elas são puras, são únicas, não nos pertencem.

Todo escritor adora a doideira de falar sobre o que escreve, sobre a inspiração, sobre o que são as palavras e o que são eles com relação a elas, adoram, adoram a metalinguaguem. Um escritor que não crie seu universo e não fale sobre sua própria língua, não existe. É como vender cachorro quente e não saber fazer a salsicha. Na verdade nós começamos fazendo a salsicha, e só depois de um bom tempo de aprendizado e prática é que partimos para vender o cachorro quente. Feito na hora, é mais gostoso.

E por último, os escritores críticos têm tendência a prepotência, acham que os seus textos são sempre melhores que os dos outros mesmo lendo, dando crédito e admirando, porém eles pensam consigo: "Posso fazer melhor" (e quais não são assim?)...


 
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