quarta-feira, 30 de junho de 2010 0 comentários

Sei lá

Já nem ligo mais para o mundo em que pintei e se encontra desbotado. Para as linhas do horizonte em que rabisquei e com o tempo viraram apenas rascunho.

Para os vitrais coloridos descascados pela chuva. Para o sol secando a terra das flores em que plantei. Já não se encontra mais nada meu por entre essas linhas. E a vontade de escrever senão me basta, me deprime.

O mundo é estritamente impessoal. Em que, não importa quantos ais você some aos seus dias, você terá simplesmente que somar mais meia dúzia deles constantemente.

Já não me importaria mais de falar todos os dias em vão. Em caminhar sozinho por entre a neblina, descer os vales, subir as colinas de manhã no frio. A grama é sempre contínua, não é mesmo? Ela sempre será verde.
segunda-feira, 28 de junho de 2010 0 comentários

Tinha uma janela

Tinha uma janela em um quarto escuro.

O quarto era escuro, porém tinha uma janela.

Tinha uma janela em um quarto escuro.

Era um quarto escuro, mas tinhas uma janela.

Como tinha uma janela se o quarto era escuro?

Como era escuro se o quarto tinha uma janela?

Ter uma janela liberta um quarto da escuridão.

Ser escuro um quarto liberta uma janela da imensidão.

Onde tinha uma janela, tinha escuridão?

Onde tinha escuridão, tinha uma janela?

O quarto era escuro e tinha uma janela.

Tinha uma janela nesse quarto escuro.

Ele era escuro, porém tinha uma janela.

O quarto escuro tinha janela.

O quarto era escuro.

Tinha uma janela.
sexta-feira, 25 de junho de 2010 0 comentários

Haverá o tempo

Haverá o tempo em que nuvens de algodão escorregarão por entre os degraus da escada. Onde patamares submergirão em águas congeladas e apitarão feito trens a vapor.

Haverá aquele instante que se espremerá infinito entre um segundo e outro. Em que o vento ressonará uma canção melodiosa e sucumbirão todos os postes de eletricidade.

Haverá flores entrelaçadas aos pisos e ao asfalto da rua. Em que as pipas coloridas no céu serão como bússolas aos forasteiros.

Haverá grandes mares dentro de caixinhas de sapato. Será feito de mármore os vestidos das debutantes. Ligar o ventilador significará se teletransportar e as luzes de LED serão eternas.

Haverá aquele tempo de deixar sobre o sofá a toalha molhada e esquecer. Em que os sapatos serão voadores e se transformarão em pombos-correio. Será engraçado ver o do Donald do McDonalds voando por aí e estatelando na cabeça de alguém.

Haverá pianos d'água e refrigerantes de bomba atômica. Em que as casas não terão paredes e as divisórias dos lares serão cortinas de nylon.

Haverá o tempo do chip dentro da cabeça em que você escolherá se guarda ou não as coisas na memória. Em que seremos 500 mil bois marcados comendo pasto transgênico em uma área de 50 m². Haverá um Deus todo poderoso chamado Coca-Cola.

Haverá cavaletes mágicos e imaginação fornecida por 1,99. Em que as bancas de jornal serão shoppings centers inteiros. Em que se apertará a torneira e você se integrará ao chip de qualquer outra pessoa.

Haverá o tempo em que as línguas serão magnéticas e nas mãos já teremos facas afiadas. Em que não haverá prisões e nem crimes hediondos.

Não haverá quem questione, quem julgue, quem dite as regras. Não haverá democracia. Os cérebros serão como creme de leite ou mousse de chocolate e os outros poderão abrir e retirar um pedaço para comer.

Haverá o tempo em que a moeda vigente será o nosso dedo do meio. Mostrou, entrou. Mostrou, pagou. Mostrou, comprou.

Haverá redes como vapor de chuveiro. Em que se você quiser se conectar a alguém bastará bocejar sobre o vidro. Haverá ondas eletromagnéticas que modelarão os cabelos e sprays sobre o rosto feito máscaras que serão os estilos dominantes.

Haverá compra de luz e sombra, de dia e noite, de sono e insônia, de alegria e de tristeza. Em que meio pote de chantilly dará para o ano inteiro. Haverá vaselina com gosto de adrenalina e pasta de dente com sabor de serotonina.

Haverá carrinhos de supermercado que acoplarão pranchas de surf e deslizarão em piscinas de álcool gel. Em que um palito de fósforo nessas horas faria a felicidade de muita gente.

Haverá fogueiras de festa junina sobre edifícios de 117 andares. Em que as ilhas serão feitas de adubo natural e as árvores serão desmontáveis. Você carregará embaixo do braço paraísos descartáveis. Seus olhos serão trilhas sonoras e os sorrisos, perfumes.

Haverá o tempo de contar o que se passou anterior a isso, mas não serão mousses que contarão a história. E nem mão afiadas que escreverão sobre rochas sedimentares. Então saberemos que o mundo não passou de uma grande bola de sabão flutuante a um triz de estourar. E STAAAAAF.
sábado, 12 de junho de 2010 0 comentários

Mentes apodrecidas

Ela parecia especial. Desde quando nasceu fora diferente das outras garotas Não tinha o dom de falar. Seus olhos pareciam cantar sozinhos e sua grande especialidade era viver suas histórias inventadas. Não lhe faltava muito para que não fosse desse mundo.
Viver, para ela, era tão simples e puro quanto colher entre as flores um dente de leão e espalhar suas pétalas no vento. Não parecia que seria mais que isso. Sua infância foi ouro.
Mas o mundo sempre teve garras afiadas de insalubridade. Notara que com o passar do tempo, conhecendo o mundo, ele já não seria tão simples e puro quanto uma fotografia de verão.
E que com o caminhar entre as pessoas havia muito mais que personagens figurativos... e muito mais visões distorcidas... quisera tanto que fosse mero cenário, representação lúdica ou que não tivesse bestas feras e monstros ocultos dos mares.

Sempre ouvia falar de tudo e de todos com grande medo. Até que um dia olhando distraidamente para as pessoas em redor notara que conseguira as ver diferentes. Todas elas tinham a parte superior da cabeça como transparente e podia enxergar o cérebro de cada um e o estado como se encontrava a mente.

Surpreendeu-se com, como degenerava fácil as mentes das pessoas. E todas, todas elas continham mentes degeneradas, mentes apodrecidas. Podia ver as partes do cérebro se corrompendo, se corroendo, se perdendo. Era a visão dos infernos. Era a falta total de esperança. Era um pesadelo.

Agora passava a vida assim, com medo de que aquelas mentes a contaminassem, de que o mundo fosse apenas isso e quando esquecer, quando tentava não notar lá estava uma mente apodrecida estampada na sua frente. Recuara-se do mundo com grande asco. Quisera que não fosse verdade, que ela mesma é que fosse do além. Não podia existir tanta escuridão no brilho dos olhos, no sorriso no rosto de todas aquelas pessoas que antes, tanto ela se aprazia em ver.

Então dominou-a a vontade de enxergar o próprio estado do seu cérebro. Mas ela descobrira agora que esse poder ela não tinha. Ela poderia ter qualquer outro, quem sabe. Mas esse, esse não. Frustrou-se, olhando-se no espelho e não enxergando nada. Como estaria sua mente? Seria tão apodrecida, tão degenerada quanto todas as que vira e tivera horror em ver? Seria sempre assim? Ela com vontade de saber quem era, de quem ela própria se tratara, de quão apodrecida era sua mente.

E quem lhe diria, quem poderia a ajudar? Quem a ajudaria a continuar?

Em meio à mentes apodrecidas, sentou e se angustiou. Pessoas eram vultos esparsos, era uma multidão sem fim de nada, era um oásis de vazio. Ela nunca saberia o que queria saber. Se era tão igual aos outros, então por que e com qual intuito só ela via mentes apodrecidas? Não seria então para todo mundo ver e comentar a respeito? Ninguém nunca lhe daria resposta satisfatória. A vida sempre lhe seria uma amargura tremenda.

Chorou. Chorou como nunca tinha chorado. Como quem desejasse muito ter uma mente apodrecida só para não se sentir diferente, só para não ver as outras que se abanavam na sua frente. Seu coração doía, fechava os olhos, já não queria mais ver.

Até que chegou alguém e sentou-se do seu lado.
-Não sei se alguém já lhe disse isso, e aparecerá estranho, mas eu consigo ver a sua mente.

Ela o olhou estupefata. De repente, ela o enxergou como nunca havia enxergado ninguém antes. Ele lhe parecia tão familiar, era como seu próprio reflexo contrário no espelho. Ela enxergava a mente dele e não temia. Ela enxergava a mente dele e queria tanto que fosse a sua própria. Ela enxergava a mente dele e se comprazia. Ele era tão especial quanto ela. Ele não era ela?

Ele já nem precisava lhe dizer como era sua mente. Ele sabia, e isso, parecia que lhe bastava. Ele sabia. Era estranho notar no entanto, que entre eles havia um silêncio profundo, uma harmonia contínua, uma sensação que acalmava. Bastava que estivessem ali, um diante do outro. Um do lado do outro. E a força seria eterna. Então ele lhe estendeu a mão e caminharam firmes, de mãos dadas, em meio à multidão de mentes apodrecidas.
terça-feira, 1 de junho de 2010

Do assunto que tanto gosto...

Eu gosto de escrever porque àqueles que escrevem é concedido tudo. À eles são concedidos reger o destino de suas palavras. Com essas palavras eles podem ser tudo: ter o que almejam, as realizações dos seus sonhos, o sentido, a eficácia e a alegria em suas vidas narradas.
Só é nas palavras que não temos limitações nem barreiras. Não há preconceitos nem obstáculos que permaneçam intransponíveis. É somente nas palavras que encontramos a total recompensa por todos os nossos atos, sejam eles maus ou bons. Ainda podemos tirar deles máximas filosóficas desses atos acentuar as virtudes e ocultar os defeitos... Sermos o mais charmoso e venerado dos personagens que tivermos em mente.
Ninguém nos negará a virtude, a honra nem as nossas mais íntimas qualidades quando apresentarmos aos nossos leitores a verdade de que não temos nem sequer uma gota de beleza exterior. Para o leitor, nem àquele que escrevem, importará ao certo se somos feios e merecemos piedade.
Só a palavra é capaz de abrandar a fúria dos nossos corações impiedosos e estabelecer uma estranha e complexa relação de carinho e afeto com aqueles que não são reais. Temos uma humanidade sem tamanho estabelecida para o não-real e uma desumanidade sem tamanho estabelecida no nosso dia-a-dia.
Eu amo a palavra porque expõe do ser humano só o que é certo, o que é correto expor e não é maculada nem persuadida como a visão, a imagem ou a linguagem visual que pouco nos mostra além daquilo em que conseguimos ver (e se não tivermos a inteligência necessária, de extrema perspicácia...). Tudo isso é falsa imagem.
Eu posso ser quem eu realmente sou quando escrevo e não tenho medo nem vergonha porisso. Posso sim demonstrar toda a minha fraqueza e com a minha sinceridade os meus defeitos, mas sei que represento talvez o que é mais certo sem retoque de maquiagem e nem contrariedades entre o que escrevo e o que sou. Antes, é alívio me confessar assim e se não fosse sempre com tal intenção (de confissão) eu não teria motivo algum para escrever.
Eu diria que só a palavra me entende. Sem indiscrições ou rodeios. Sem críticas, culpa, lamentos nem conselhos. Que me deixa indagar sozinha e segui-la no livre curso da minha mente. Só o que não me cansa e nunca me desgasta é escrever. E às vezes confessar todo esse amor pela escrita é para mim algo totalmente necessário (como um pensamento de:" Eu não sou louca" ) para que eu tenha um estímulo e continue, mesmo sem retorno, escrevendo.
Tem dias em que tudo me perturba que me leva à um estranho e inexplicável conflito interior - algo sem motivo nem fundamento - que deságua, ou melhor, que me faz desabafar na escrita. É consolo saber que eu tenho alguém com quem compartilhar minha dor e esse consolo é como nenhum outro poderoso remédio que consegue estabelecer em mim uma tranquilidade, uma paz, uma calma interior.
Eu diria que não é um escritor que não desiste de escrever quando vê que sua palavra não pode mudar nem o pensamento do vizinho e nem reestabelecer a crença em corações pagãos ou desesperançados nem mesmo fazer com que uma jovem de hoje acredite na sua própria felicidade... o escritor em si não é um guerreiro nato, forte, batalhador e inabalável, ele é talvez, o mais fraco, sensível e oprimido que estiver entre nós, aquele no qual não daríamos nada e que não o reconheceríamos jamais como uma mente brilhante... são sim fracos seres que vendo o mundo desistem facilmente... quem não desiste porém é a própria palavra que os toma e nunca, nunca mesmo, desiste deles.
Eu não sou nada, mas eu tenho "na mão um lápis e nesse papel"  uma palavra que nunca vai desistir de mim.
 
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